Detentos do Rio Grande do Norte passaram a ser submetidos a um “regime de opressão grave” dentro das cadeias depois do massacre na Penitenciária de Alcaçuz em 2017, segundo a antropóloga Juliana Melo, pesquisadora do sistema prisional potiguar.

De acordo com a especialista, após o conflito entre presidiários em Alcaçuz que deixou 27 mortos, os detentos passaram a sofrer choques, espancamentos e outras modalidades de tortura – que resultaram na eclosão dos ataques criminosos que atingem o Estado desde a madrugada de terça-feira 14.

O Governo do Estado admite que os ataques partiram de dentro dos presídios, após líderes de organizações criminosas não serem atendidos no pedido por “regalias”, como visitas íntimas e aparelhos de TVs. Familiares, porém, rebatem e afirmam que os presos sofrem torturas dentro dos presídios e querem melhores condições.

“Depois que a guerra foi concluída (em 2017), a gente teve reformas estruturais dentro do sistema prisional, com um novo aparelhamento, com maior controle da fuga de presos e de eventuais processos envolvendo corrupção. A gente tem uma outra dinâmica, mas, ao mesmo tempo, a instalação de um regime disciplinar fundamentado não ocasionalmente na prática da tortura e violações graves de direitos humanos”, destaca a pesquisadora.

Juliana Melo registra que presos têm tido direitos suspensos, como o acesso a remédios. “(Há) suspensão de direitos assegurados legalmente não cumpridos. Como não são cumpridos em grande parte das prisões brasileiras, mas isso se acentua no Rio Grande do Norte. Famílias tem denunciado essa situação há vários anos. Denunciado situações em que existem choques elétricos, espancamento, presos em posição de procedimento durante horas, ausência do acesso a remédios…”, acrescenta.

A antropóloga enfatiza que, recentemente, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) fez inspeções em presídios potiguares e detectou violações de direitos humanos. As vistorias foram feitas em novembro de 2022 pelo órgão e os resultados serão compilados em um relatório que será finalizado em breve. As conclusões preliminares foram divulgadas em reportagem do portal G1.

O órgão identificou, também, que presos estão recebendo marmitas com comida estragada a ponto de o cheiro provocar náuseas, além de presos em tratamento inicial de tuberculose usados como vetor de contaminação para castigar outros detentos saudáveis, reclusão por mais de trinta dias em celas de castigo e torturas físicas e psicológicas.

“Recentemente, o Mecanismo fez inspeções em presídios do Rio Grande do Norte e encontrou situação catastrófica e que será demonstrado em relatório”, pontua.

A especialista declara que os ataques criminosos registrados no Rio Grande do Norte têm relação com a situação dentro das cadeias.

“A gente fez algumas reformas estruturais e arquitetônicas no âmbito da prisão, mas ao mesmo tempo foi instalado um regime de opressão grave e violação de direitos humanos, que precisa ser levado a sério. Os presos já fizeram tentativa de denunciar isso, mas as denúncias não têm eco, tanto no Judiciário, como na sociedade civil, que não vê legitimidade alguma nos pleitos e vê no fato de não ser torturado que é demandar regalia”, finaliza.

Policiais penais negam violações e dizem que acusação é “injusta e covarde”

O Sindicato dos Policiais Penais do Rio Grande do Norte (Sindppen-RN) negou, nesta quinta-feira 16, que haja violações de direitos humanos nos presídios potiguares, como denunciaram o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e a antropóloga Juliana Melo, pesquisadora do sistema prisional do Estado.

Em nota, o sindicato afirma que a acusação da existência de torturas nas unidades prisionais é “injusta e covarde”.

“Se as unidades prisionais continuam sob controle do Estado, é graças ao trabalho dos policiais penais. A categoria, ao longo dos anos, vem sendo fundamental para a manutenção da ordem, da disciplina e da lei. Portanto, é totalmente injusta e covarde a tentativa de inversão de valores por parte de setores que se dizem de direitos humanos e tentam atribuir a atual crise aos policiais penais”, afirma o Sindppen-RN.

A entidade enfatiza que, desde o massacre da Penitenciária de Alcaçuz em 2017, os policiais penais restabeleceram o controle do sistema prisional. Entre outras medidas, a categoria defende que o Estado continue negando o acesso dos presos a visitas íntimas – a ausência das vítimas é criticada pelos detentos.

“Antes, as visitas íntimas eram usadas para extorsão, para violência doméstica, para pagamento de dívida e facilitação de entrada de materiais ilícitos. Antes, alguns presos precisavam pagar às facções para ter um colchão para dormir. Mas tudo isso acabou, devido ao trabalho sério dos policiais penais, que conseguiram, gradativamente, normalizar a situação”, afirma o Sindppen-RN.

O sindicato destaca que, ao contrário, presos vêm recebendo concessões da gestão estadual. “Vale destacar que, atualmente, os presos têm quatro refeições. Além disso, ganharam, na gestão passada, o direito a receber comidas e lanches dos familiares. Dessa forma, o que acontece, na verdade, não é a insatisfação com alimentação ou falta de condições de saúde, pois também há assistência médica frequente. O crime organizado está insatisfeito por não ter mais o domínio do Sistema e por não conseguir controlar toda a população carcerária”, pontua o sindicato.

Facções se aliaram, dizem fontes

Autoridades ligadas ao Ministério da Justiça e ao governo do Rio Grande do Norte apontam que duas facções rivais se aliaram – em uma trégua temporária – nos ataques no estado. A informação foi divulgada pelo G1.

Segundo a apuração, o Primeiro Comando da Capital (PCC) disputa com o Sindicato do Crime rotas internacionais de cocaína para a Europa a partir do RN. Com a situação atual afetando mais o Sindicato, o PCC, originada em presídios de São Paulo, teria visto na ação uma oportunidade de reivindicar melhorias nas condições do sistema prisional.

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