O Estado está desenvolvendo o Sistema Estadual de Pessoas Desaparecidas. A expectativa é de que o sistema fique pronto até o março de 2025| Foto: Reprodução

Ícaro Carvalho
Repórter

Estar com um ente querido num momento e minutos depois se deparar com o seu sumiço é considerada uma das maiores aflições que o ser humano pode passar. Nesta semana, duas famílias do Rio Grande do Norte sentiram na pele a agonia de não saber o paradeiro dos parentes. Os casos de Maria Fernanda, 12 anos, encontrada morta quatro dias depois do seu sumiço, e de Nayara Dantas, 21 anos, ainda desaparecida e com a família nutrindo esperanças de revê-la, são apenas uma fração dos registros de desaparecimentos no Estado.

Segundo dados da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Coine/Sesed), foram 601 registros de desaparecimentos de janeiro a outubro de 2024. No mesmo período do ano passado, esse número era de 559. Os dados, no entanto, não refletem necessariamente a quantidade de pessoas desaparecidas, gargalo existente no RN e no Brasil.

Um caso de desaparecimento terminou em tragédia na última semana. Homem confessou ter matado menina de 12 anos| Foto: Reprodução

Segundo as estatísticas da Sesed, enviadas à pedido da TRIBUNA DO NORTE, os registros de pessoas desaparecidas variam ano a ano. Em 2023, por exemplo, foram 701 registros contra 629 em 2022, 461 em 2021 e 249 registros em 2020. Há casos de pessoas que desaparecem em um determinado ano, mas só em anos seguintes que é feito o registro junto as autoridades policiais. A Sesed explica ainda que os registros de pessoas desaparecidas não necessariamente significam pessoas sumidas, uma vez que há possibilidade de familiares distintos registrarem o desaparecimento de uma mesma pessoa em Boletins de Ocorrências diferentes.

Já com relação à localização de pessoas desaparecidas, os números da Sesed apontam aumento neste ano, com 294 localizações de janeiro a outubro, contra 264 em 2023, 135 em 2022, 6 em 2021 e 7 em 2020. Para este dado, a Sesed aponta que a diferença nos números está associada à falta de informatização em delegacias policiais no Estado, subnotificação e a adoção do Procedimento Policial Eletrônico (PPE), que gerou padronização para os desaparecimentos.

Estado e União tentam aprimorar sistemas

As políticas públicas para pessoas desaparecidas no Brasil ainda carecem de melhores execuções, na avaliação de Gesaias Ciríaco do Nascimento, especialista em segurança pública e autoridade central no RN na Política Nacional de Pessoas Desaparecidas. Ele pontua, no entanto, que essas políticas avançaram consideravelmente nos últimos anos a nível nacional e local.

A título de exemplo, Gesaias aponta que o Estado está desenvolvendo um sistema intitulado Sistema Estadual de Pessoas Desaparecidas. A expectativa é de que o sistema fique pronto até março do ano que vem, assim como um sistema nacional. O sistema está sendo alimentado com todos os boletins de ocorrência registrados de pessoas desaparecidas e será integrado ao PPE.

Além do sistema, o Estado está desenvolvendo um aplicativo para pessoas localizadas sem identificação. Comumente, o Walfredo Gurgel divulga boletins com pessoas dando entrada na unidade sem documentação.

Apesar dos números, não é possível saber quantas pessoas de fato estão desaparecidas no Rio Grande do Norte. Essa problemática, inclusive, é replicada a nível nacional, uma vez que as políticas públicas para essa dinâmica social ainda são recentes e em fase de implementação. “Nós não temos um cadastro nacional de pessoas desaparecidas. Por incrível que pareça. Estamos para montar isso porque tudo passaria por esse cadastro. A ideia é fazer algo que funcione em tempo real. No caso do RN, por exemplo: um registro feito agora em 15 minutos esse dado já estará nesse cadastro nacional. É um grande gargalo nosso não termos esse compartilhamento real de informações”, explica Gesaias Nascimento Ciríaco.

Segundo Gesaias Ciríaco do Nascimento, especialista em segurança pública e autoridade central no RN na Política Nacional de Pessoas Desaparecidas, o tema tem ganhado atenção nos governos estaduais nos últimos anos. Ele explica que até 2019 a busca por pessoas desaparecidas no RN ficava a cargo da Delegacia Especializada de Capturas e Polícia Interestadual (Decap/Polinter). Só após 2021 que foi criado o Núcleo de Investigação sobre Pessoas Desaparecidas (NIPD) junto à Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). O núcleo tornou-se a 9ª Delegacia de Polícia, que funciona dentro da DHPP, com foco em desaparecimentos.

“Era ela quem tinha a atribuição de procurar os desaparecidos junto com foragidos da justiça, além da responsabilidade de fazer precatórias, quando uma pessoa responde em um estado e encontra-se em outro. A produtividade era baixa tanto que delegava, várias vezes, para outras delegacias terem capacidade”, explica.

Além disso, o desaparecimento é uma das investigações mais complexas de se executar, por diversas razões, como falta de informações e câmeras de segurança em determinados locais, sumiços sem aparente motivo e em especial, o fato das famílias não retornarem às Delegacias de Polícia para avisarem do aparecimento da pessoa. Há casos e casos: desaparecimentos por questões de sequestros, crimes sexuais, intolerância familiar e casos de violência doméstica.

“A delegacia especializada na questão de desaparecimento está fazendo um trabalho de busca ativa. Imagine que uma pessoa some, um familiar faz o B.O, essa pessoa retorna e esse B.O fica com o status ativo. Hoje a delegacia tem feito um trabalho de rebusca, exatamente buscando com o comunicante se aquela situação está ou não ativa. Há uma procura real. A resolutividade aumentou no que sentido que chamamos da subnotificação de localização diminuiu quanto a isso”, explica Gesaias Ciríaco do Nascimento.

A reportagem procurou a Polícia Civil do Rio Grande do Norte (PCRN) para entrevista, mas alegou, por meio da assessoria de imprensa, questões de agenda para não receber a equipe da TRIBUNA DO NORTE.

Casos
O caso de Maria Fernanda Ramos, 12 anos, entra para a história da crônica policial potiguar como mais um episódio envolvendo sumiços por motivos torpes de crianças e adolescentes no Rio Grande do Norte. No caso da jovem, que foi violentada sexualmente e morta espancada, o corpo só foi encontrado após quatro dias do desaparecimento.

A situação envolvendo Maria Fernanda é semelhante a outros dois casos que chocaram Natal e o RN nos últimos anos. O mais recente foi o caso Iasmin Lorena de Araújo, em 2018, que tinha 12 anos e saiu de casa na Redinha a pedido da mãe para entregar um dinheiro a uma vizinha. O corpo dela só foi encontrado um mês depois ao sumiço na rua da casa dela. Vizinho da família de Iasmin, o pedreiro Marcondes Gomes da Silva, de 45 anos, que trabalhava no imóvel onde o corpo foi encontrado, confessou o crime. Ele matou a menina após ela recusar um pedido dele para terem relação sexual. Foi condenado a 31 anos de prisão.

Outro caso que chocou Natal foi o de Maísla Mariano dos Santos, 11 anos, morta pelo ambulante Osvaldo Pereira Aguiar, em 2009. A menina saiu de casa pretendendo deixar o almoço no trabalho do pai. Ela foi morta e esquartejada. O corpo da garotinha foi encontrado em sacos plásticos em terrenos baldios no bairro de Igapó. O crime que comoveu toda a sociedade natalense teve repercussão nacional. O homem foi condenado a 41 anos no julgamento mais longo da história do RN.

Esses episódios chocantes se juntam ao caso mais misterioso da crônica policial potiguar, quando cinco crianças sumiram misteriosamente do bairro do Planalto entre 1998 e 2001. Passados 25 anos, ninguém foi preso, as crianças seguem desaparecidas e o caso foi arquivado junto à Polícia Civil. Durante a investigação, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi criada para investigar o rapto dos pequenos, mas sem sucesso.

Família procura por jovem desaparecida em Parnamirim

Uma jovem identificada como Nayara Dantas, de 21 anos, desapareceu enquanto ia para a UFRN durante a manhã de segunda-feira (4) em Parnamirim, cidade da Grande Natal. Em contato com a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, a mãe da estudante, Aldeiza Dantas, contou que sua relação com a filha sempre foi saudável, e externou sua preocupação com o bem-estar dela. Ela e os familiares foram à delegacia e informaram o caso à Polícia Civil, que realiza a investigação. Até o fechamento da edição, ela ainda não tinha sido encontrada.

Moradora do bairro de Vida Nova, Aldeiza Dantas contou que a jovem é estudante do curso de licenciatura em História. A rotina dela consistia em sair cedo para as aulas, e voltar ainda para casa ainda durante a tarde. Porém, na segunda-feira, a ausência da filha no horário habitual trouxe preocupação para a mãe, a qual percebeu que algo estava errado. “Ela disse que estava indo para a UFRN na última vez que nos vimos. Eu saí primeiro e ela saiu depois. Quando eu cheguei em casa, no fim da tarde, ela não estava. Por isso, eu tentei ligar para ela, mas as redes sociais dela estavam bloqueadas para o pai dela, o irmão e para mim”, afirmou.

Pela manhã de terça-feira (5), Aldeiza Dantas e a família foram à delegacia e registraram um boletim de ocorrência, para dar início às buscas pela jovem e contou ainda que, na tarde de terça-feira (5), ocorreu o último contato entre Nayara e a familia. Após desbloquear suas redes sociais por um breve período, ela enviou um áudio para o pai dela, mas não era possível entender o que ela dizia. “Ela enviou um áudio no qual ela chorava muito, e não conseguíamos entender o que ela falava. Ela não era de sair para festas. Ela não bebia e não fumava”, lembrou.

Tribuna do Norte
Neuropsicopedagoga Janaina Fernandes