O procurador-geral da República, Augusto Aras, publicou uma portaria que abre brecha para procuradores de todos os ramos do Ministério Público da União (MPU) utilizarem carros oficiais para se deslocar a qualquer lugar, e não mais somente do trabalho para casa, como previa a regra anterior.
“Os veículos oficiais de representação e de transporte especial serão utilizados no desempenho da função pública pelos respectivos membros, inclusive nos trajetos da residência ao local de trabalho e a compromissos externos e vice-versa”, diz o texto publicado no início do mês passado.
A portaria não define o que vem a ser “compromissos externos”. Questionada sobre a medida, a Procuradoria-Geral da República (PGR) alega que os carros só seriam usados em “atividades institucionais realizadas fora das sedes”, embora essa explicação não conste no documento oficial, o que abre brecha para o uso indiscriminado dos veículos oficiais.
Na versão anterior da portaria, de 2015, não existia previsão para uso do veículo em “compromissos externos”.
A portaria deixa a critério dos secretários-gerais, procuradores-chefes e diretores-gerais das unidades do MP a definição das regras adicionais que vão disciplinar o uso dos veículos no dia a dia de cada localidade, o que, ao cabo, pode ampliar o uso dos veículos para além do trajeto da casa dos procuradores ao ambiente de trabalho.
A portaria original já previa aos secretários, diretores e procuradores-chefes o poder de autorizar o uso dos veículos oficiais, “em caráter excepcional”, fora das hipóteses apresentadas no texto. “O Secretário-Geral, no âmbito da Procuradoria Geral da República, e os Procuradores-Chefes, nas demais unidades do MPU, quando configurado o interesse da Administração ou razões de segurança, poderão autorizar a utilização dos veículos oficiais, em caráter excepcional, fora das hipóteses previstas neste artigo”, dizia o texto original.
Professora de ciência política na Universidade de São Paulo e diretora-executiva do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), Maria Tereza Sadek considera “graves” as mudanças feitas por Aras por tornarem as regras de uso dos veículos oficiais “menos claras”. “Significa dizer que dá margem para que algum uso aconteça sem o devido controle”, afirmou.
“Qual é o motivo para mudar a portaria se ela já especificava quando podia e não podia?”, questionou.”Nós precisamos de mais transparência de qualquer órgão público e se você abre (o regramento) desse jeito fica muito difícil saber o que é atividade privada e o que é uma atividade da atribuição de procuradores”, avaliou Sadek.
A PGR argumenta que a portaria é para “disciplinar” o uso dos veículos, portanto, segundo esse raciocínio, o que não estaria expressamente descrito no texto seria proibido. A premissa apresentada pelo órgão, porém, é diretamente oposta à adotada na íntegra da portaria que organiza a utilização dos carros oficiais. No texto, a PGR destina um capítulo inteiro a elencar as situações em que a utilização dos carros é vetada, como em feriados ou no transporte de pessoas não vinculadas à instituição.
A regra geral prevê ainda que os usuários devem descrever o percurso que o carro fará, mas a mesma norma permite alteração do itinerário pela pessoa encarregada do controle de veículos ou então pelo próprio procurador, desde que seja comunicada a alteração no caminho.
Para o diretor do Sindicato Nacional dos Servidores do MPU (SindMPU), Adriel Gael, a portaria “apresenta a visão da administração do MPU, do procurador-geral da República, de utilizar a estrutura do órgão para beneficiar apenas membros”.
“Como manda a melhor prática, com base na eficiência e no cuidado com a coisa pública, os membros devem chegar até o local de trabalho e a partir de lá utilizar os carros para fazer as suas atuações em nome da instituição”, argumentou. O diretor do sindicato considera que até a norma anterior, que permite que os procuradores sejam buscados em casa e existe desde 2015, representa uma “minúcia descabida”.
A gestão de Aras na PGR tem sido marcada pela concessão de benefícios à classe dos procuradores para angariar apoio interno. O procurador-geral chegou ao posto sem concorrer às eleições da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que elabora uma lista tríplice de recomendação ao presidente da República. A decisão de ignorar a listra tríplice foi do então presidente Jair Bolsonaro.
Para contornar a situação, Aras aprovou mudanças que garantiram benefícios e até aumentos temporários a procuradores, como na vez que liberou o pagamento de penduricalhos que engordaram em até R$ 400 mil os salários de seus pares. Em dezembro de 2021, o procurador-geral liberou o pagamento de indenizações que geraram esse valor ‘extra’ nos contracheques da categoria. Na ocasião, as benesses do PGR para agradar a seus colegas custaram ao menos R$ 79 milhões aos cofres do Ministério Público, segundo dados do Portal da Transparência.
Estadão