A 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão de condenar o estado de São Paulo a indenizar uma mulher após ter sido submetida – sem seu consentimento – a um procedimento de laqueadura depois de um parto. A criança foi encaminhada para a adoção antes que a mãe tivesse contato com ela.

O acórdão dos três desembargadores foi publicado na quarta-feira (26) e determina o pagamento de R$ 100 mil por danos morais. A GloboNews apurou que o valor deverá ser pago aos filhos da mulher, já que neste ano ela foi vítima de feminicídio pelo então companheiro.

Esterilização compulsória

Em 2017, uma ação proposta pelo Ministério Público pedia a esterilização compulsória da mulher, que estava presa à época na penitenciária de Mogi Guaçu, interior paulista. O pedido foi aceito pela Justiça, em caráter liminar, sem que a mulher fosse ouvida em juízo, obrigando a Prefeitura de Mococa (SP) a fazer o procedimento.

O Fantástico mostrou que, no processo, o Ministério Público justificou que a mulher era vista constantemente pela rua com sinais abusivos de álcool e drogas e que somente a laqueadura poderia proteger a sua vida e a dos filhos que poderiam nascer e seriam colocados em sério risco por causa do comportamento destrutivo da mãe.

Em fevereiro de 2018, ao dar à luz ao oitavo filho, a mulher de 36 anos foi submetida à laqueadura tubária, processo que gera uma obstrução das tubas uterinas, impossibilitando o encontro do óvulo com um espermatozoide. A Prefeitura de Mococa chegou a entrar com recurso da decisão, mas realizou o procedimento por ordem judicial. A decisão só foi reformada pelo TJ depois de o procedimento irreversível já ter sido feito.

A Defensoria Pública do Estado, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), pleiteava a indenização e defendia que a realização de uma esterilização compulsória fere normas internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres, além da Constituição Federal, a Lei do Planejamento Familiar e os direitos fundamentais das mulheres.

No processo, a Defensoria afirmou que a mulher foi coagida a realizar a laqueadura em diferentes ocasiões pelos servidores da saúde e serviço social, sob a ameaça de possíveis consequências da retirada de seus filhos.

Segundo as defensoras, não constava no prontuário médico nenhum termo de consentimento da paciente e que também não foi informado a ela, no momento do parto, o método da cirurgia realizada, o que caracteriza violação aos seus direitos fundamentais. O entendimento do Nudem foi o de que houve caráter discriminatório na ação pelo fato de a mulher ser negra, estar presa e já ter quatro filhos biológicos à época.

Já o estado de São Paulo, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), alegou nos autos que não teve responsabilidade civil no caso e que, mesmo sem a autorização formal em juízo, a mulher havia consentido a realização da cirurgia em atendimentos por equipamentos de saúde da cidade, anteriormente ao procedimento.

Para os desembargadores do Tribunal de Justiça, o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza a laqueadura compulsória. Na decisão, é citado que “a manifestação de vontade da parte não foi colhida perante o juízo, mas apenas certificada em cartório, tendo sido informada no próprio balcão sobre o procedimento médico a que seria submetida”.

Ainda de acordo com os desembargadores, o consentimento para o procedimento “não se trata de mera formalidade, mas de exigência legal justificável em razão da gravidade e irreversibilidade do procedimento” e que a previsão é a de que, entre a manifestação de vontade da mulher e o parto, decorram 60 dias, o que não foi comprovado nos autos.

O caso está em sigilo. A GloboNews apurou que o pedido da Defensoria Pública à 8ª Câmara de Direito Público era de indenização de R$ 500 mil, mas o Tribunal de Justiça manteve o valor de R$ 100 mil por danos morais arbitrados na decisão em primeira instância.

A Defensoria Pública informou que recebeu a notícia sobre a decisão com satisfação porque houve o reconhecimento por parte dos desembargadores de que o procedimento não obedeceu os preceitos legais e que violou os direitos humanos da mulher.

Ainda cabe recurso. Em nota, a Procuradoria Geral do Estado informou que “ainda não foi intimada da decisão”.

G1

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