Os pais de Clarice, de dois anos, preferiram não impor à filha uma dieta restritiva. Ela trilha o caminho da educação alimentar saudável, com acompanhamento nutricional | Foto: Alex Régis
Tádzio França
Repórter
A alimentação vegana, que exclui ingredientes de origem animal, é uma opção que figura em um número cada vez maior de dietas saudáveis. Mas há veganos desde o “berço”? A adoção de uma dieta vegana para crianças é algo que ainda gera dúvidas e debates, principalmente pelo fato de os pequenos estarem em uma fase importante para o desenvolvimento físico e mental. Pais e nutricionistas discutem sobre estilo de vida, benefícios e restrições. O bom senso e o planejamento estão na base de tudo.
A nutricionista Thaís Araújo, especializada em nutrição materno-infantil, ressalta que quem optar por uma dieta vegana para sua criança, poderia conduzi-la a partir dos seis meses de idade, ou logo após o desmame. “Não existe uma idade adequada. Quando bem planejada, é algo saudável e nutricionalmente adequado para qualquer estágio da vida (incluindo a infância), pois traz benefícios à saúde e pode contribuir para a prevenção de doenças”, explica.
Uma dieta vegana exige planejamento de acordo com as necessidades da idade e com a individualidade da criança. “Em primeiro lugar, é importante o acompanhamento de profissional nutricionista que possa orientar as combinações de nutrientes e suplementação, caso seja necessário. Compor um prato que inclua no mínimo um cereal, uma leguminosa e duas cores de legumes”, diz.
Segundo Thaís, os nutrientes que exigem maior atenção em uma alimentação saudável para crianças incluem ferro, vitamina B12, cálcio, zinco e omega 3. Para atingir melhores resultados nutricionais, é necessário manter uma variedade de alimentos à disposição, além de ter monitoramento profissional a longo prazo. Outro ponto é buscar entender a necessidade de suplementação, que pode mudar caso a caso.
A nutricionista ressalta que, em caso de dieta vegana para crianças, a suplementação vai ser necessária na maioria das vezes. “Mas importante lembrar que toda suplementação usada por bebês e crianças deve ser prescrita e através de exames de sangue e avaliação de sinais e sintomas por nutricionista maternoinfantil e/ou pediatra”, diz.
É importante ressaltar que alguns nutrientes essenciais para o organismo humano são encontrados em maior quantidade, ou exclusivamente, em carnes. É o caso da vitamina B12, que é de origem predominantemente animal. Deve-se considerar que nove aminoácidos essenciais, obtidos só através da alimentação, estão presentes em 100% da proteína do ovo e em 90% da proteína da carne.
Alcançar a ingestão diária recomendada desses nutrientes durante a infância pode se tornar um desafio, exigindo também suplementação. Thaís Araújo recomenda complementações com vitamina D; ferro; DHA (ácido graxo tipo ômega 3), ou em fontes como chia, linhaça, óleo de linhaça e nozes; prato com variações de cereais e leguminosas combinados na mesma refeição, tofu, hommus, grão de bico, frutas, legumes, carboidratos, etc.
O grupo infantil que merece maior atenção, segundo a nutricionista, é aquele até os dois anos de idade. “É uma fase que exige bastante monitoramento e avaliação para que, no caso dos veganos que não incluem ovo na alimentação, não ficar uma dieta muito restrita. Precisa garantir que a ausência de carnes, ovos e laticínios não vai representar um risco de faltarem ferro, vitamina B12, cálcio e zinco no organismo desses bebês”, diz.
As deficiências nutricionais, ressalta a nutricionista, podem ser identificadas através de exames bioquímicos. “Importante falar que, assim como em uma dieta onívora, o não planejamento de uma variedade de nutrientes na dieta vegana pode causar deficiências nutricionais importantes. Quando apropriadamente planejada, a dieta vegana pode ser muito benéfica para a redução de doenças”, completa.
Entre os benefícios do veganismo à saúde infantil estão a redução do risco de doenças crônicas, melhor controle do peso, e redução do consumo de alimentos ultraprocessados. A dieta vegana também tende a ser rica em fibras, o que pode melhorar a saúde intestinal.
Pais e filhos
O tradutor Caio Xavier é vegano há cinco anos. Seu filho, Luca, tinha quatro quando ele aderiu a esse estilo de vida. “Na época conversei com minha companheira sobre nos alimentarmos de forma exclusivamente vegana, mas ela não concordou por não querer impor uma restrição alimentar, e pela dificuldade de mudar de forma abrupta hábitos alimentares de uma criança”, diz. Foi em comum acordo a adoção do lactovegetarianismo, uma corrente que proíbe o consumo de carne animal, mas permite derivados como laticínios e ovos.
Segundo Caio, não seria realista esperar que o filho rejeitasse o consumo de carne animal de uma hora para outra. “Apesar de esperar que um dia ele compreenda e concorde com o veganismo, acho que precisa ser uma decisão genuína que parta dele, então respeito sua liberdade”, diz. Atualmente, ele ressalta, o garoto não é proibido de comer nada – mas como ele e a mulher não não consomem carne, o menino só consome esse tipo de comida fora de casa.
Recentemente o menino manifestou pela primeira vez o interesse em ser vegetariano ou evitar o consumo de carne no futuro, conta o pai. “Gosto de pensar que dou diariamente a ele um exemplo de como podemos optar por exercitar nossa empatia, e que não precisamos oprimir e explorar os mais fracos só porque temos poder para isso”, diz.
O professor Paulo Emílio é vegano há 25 anos. Sua esposa não é vegana nem vegetariana. E para eles, tudo bem. A mesma sintonia foi levada para a filha, Clarice, de dois anos. “Quando resolvemos ter filhos, conversamos bastante sobre isso e chegamos à conclusão que seria uma questão de escolha para todos. Eu acredito que questões ideológicas não podem estar acima de questões de saúde. Meu veganismo é uma posição ideológica”, afirma.
Por isso, ele e a esposa concordaram em não impôr a Clarice uma dieta restritiva. Preferiram o caminho da educação alimentar saudável. “Ela tem o acompanhamento de uma nutricionista, que criou um cardápio para ela com base no que a gente come. Ela vai fazer dois anos, e é uma criança que consome muitos vegetais, muitas frutas. Nós colocamos restrições no consumo de açúcar, como balas, doces, refrigerantes. Ela nunca provou esse tipo de açúcar”, diz.
O professor afirma ter consciência de que no futuro a filha terá contato com esses itens pouco saudáveis, na escola, na rua, em praticamente todo lugar. “Mas em nossa casa, não entra. Acordamos que não haverá uma imposição. Será uma escolha consciente dela, não algo imposto. Estamos seguindo nessa educação”, conclui.
Tribuna do Norte