As instituições do sistema do comércio brasileiro estão mobilizadas para sensibilizar os parlamentares quanto aos impactos negativos que a Reforma Tributária pode trazer para o setor. Em nova edição do Fórum RN, promovido pelo Sistema Fecomércio RN na semana passada, o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Felipe Tavares, apontou as preocupações dos setores de Comércio, Serviços e Turismo, que têm boas perspectivas para este ano, diante da conjuntura econômica, mas que pode perder fôlego no médio prazo, se a Reforma Tributária não for melhorada em alguns aspectos que ele detalha nesta entrevista. Entre os pontos, indefinições sobre o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), comprovação do crédito tributário pelos empresários e valor de referência de imóveis a título de tributação. Esses são pontos já entregues pela CNC ao secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy em documento elaborado pela entidade. O economista diz ainda que, da forma como está posta, a reforma tributária poderia trazes efeitos negativos de grande porte ao setor terciário.

O que que preocupa a CNC quando o assunto é Reforma Tributária?
A reforma é muito grande. Então, você tem muitos pontos. Em geral, ela tem um princípio muito positivo para o Brasil, para simplificar e tal. Mas tem que tomar cuidado nas partes operacionais que vão determinar realmente se a reforma vai ser bem aplicada, ou não, se ela vai conseguir gerar efeitos positivos. Então, por exemplo, uma das coisas que vem sendo falada é a instituição do IVA, um sistema de crédito e débito que a gente vai conseguir tributar somente o valor adicionado. A gente vai parar de pagar imposto cumulativo, imposto em cima de imposto. Só que para isso funcionar, precisa ter muito clara a regra de débito, a regra de crédito, qual é o período que isso vai acontecer, isso não está muito claro. E o mecanismo que foi proposto na regulamentação é que o empresário tem que comprovar que a etapa anterior na cadeia pagou o imposto para que ele possa se creditar. Isso foi uma obrigação que foi transferida ao empresário, que na verdade é o Estado que deve fazer. Então, passou para o empresário uma coisa que ele não fazia, não deveria fazer, e isso torna um pouco mais complexo.

Por que isso dificulta para o empresário?
Algo que deveria ser muito positivo para o sistema tributário brasileiro pode se tornar muito desafiador, porque o empresário não vai conseguir comprovar, às vezes perfeitamente, ou numa agilidade alta, que a parte anterior pagou o imposto. Aí ele não pode tomar o crédito e isso vai encarecendo a conta do imposto para ele, expondo o caixa da empresa. Então, a gente está preocupado muito nessa parte operacional da reforma que está em discussão no Congresso.

Como é que a confederação tem buscado sensibilizar para que pontos como esse sejam melhorados?
A gente tem mais de 15 grupos estruturados com especialistas e participantes junto com as federações para discutir os temas. A gente faz estudos públicos, participa de discussões públicas, seja na Câmara, seja no próprio Executivo ou em eventos privados e a gente busca sempre a mídia e os próprios representados do nosso sistema para garantir a veiculação de todas as informações e análises que a gente gera.

Vocês entregaram um documento que sintetiza alguns pontos? Que pontos são esses?
Era um documento grande, mas a gente fez uma proposta de todos os pontos operacionais que o governo deveria ter. Então, crédito presumido, para não precisar realmente ter essa comprovação da cadeia que tomou crédito. Hoje, a gente está discutindo muitas questões de valor de referência de imóveis para transações entre pessoas jurídicas. A gente fez um documento grande com mais de 60 páginas e uma proposta de regulamentação da reforma do que a gente entenderia que seria melhor para o setor produtivo Esse documento foi apresentado para o Bernard Appy antes de ele entregar a proposta do governo para o legislativo. Agora que já foi entregue, a gente já publicou um outro documento, explicando toda a regra do split payment de forma mais clara e detalhada. Aí os principais pontos de atenção que a gente está discutindo é em relação à regra de crédito, a relação do preço de referência dos imóveis. Esses são os pontos que mais nos preocupam em meio à regulamentação da reforma.

O que está em jogo nessa questão do valor dos imóveis?
O que está em jogo é que hoje você paga o imposto, que seria óbvio, pelo valor da transação. Então, por exemplo, se o imóvel vale 100, se você vender por 80, você paga imposto sobre 80. Se você vender por 150, por mais que ele valha 100, você também paga sobre 150, pelo que você vendeu. O que está proposto hoje pelo governo é que você pague sobre o valor maior, um valor de referência de avaliação de mercado ou o valor da transação. Então, vamos supor que o seu imóvel vale 100 e você vendeu por 80, porque você queria vender rápido, por qualquer motivo que seja, você não necessariamente vai pagar imposto por 80, porque se o governo vier e falar que aquele imóvel deveria ter o valor de 120, você vai pagar imposto sobre 120. Então, esse é um tipo de coisa que encarece transações imobiliárias e gera uma insegurança para as pessoas e para as empresas muito grande, porque a gente não sabe que avaliação é essa, quem vai fazer, se tem mais de uma instituição que pode fazer. Se der conflito entre diferentes avaliações, o que prevalece? Então, isso tudo ainda está em aberto.

Houve avanços em relação a essas reivindicações do setor?
A gente teve vários ganhos na proposição, já na reforma. Então, assim, a simplificação do sistema foi um ganho, a gente tinha cinco impostos sobre consumo: ISMS, PIS, COFINS, ISS e IPI, e foram transformados em três: CBS, IBS e o imposto seletivo. Então isso abriu uma margem para a gente conseguir unificar toda a legislação, diminuir o número de normativos, isso foi uma vitória. O que está hoje colocado na regulamentação é você unificar e homogenizar todo o sistema de notas fiscais eletrônicas no país. Então, isso tudo foram reivindicações e foram pontos que a gente conseguiu avançar. Agora resta discutir os pormenores operacionais, que realmente é o que determina como que esse imposto será pago.

Da forma como a reforma está posta hoje, haveria crescimento no setor? Seria prejudicial?
Se fosse aprovada exatamente como está hoje, a gente teria alguns problemas de grande porte. Isso poderia ameaçar todo o valor que se espera que a Reforma Tributária gere. Porque o ponto central é a questão do IVA e você acabar com a cumulatividade de impostos. Se o sistema de crédito não funcionar, a reforma tributária acaba e vai ser algo muito danoso para o setor produtivo brasileiro. E na questão dos imóveis, você pode encarecer muito transações entre pessoas jurídicas. Isso pode ter um efeito muito significativo na economia brasileira porque o mercado imobiliário tem uma capacidade de engajar a economia muito grande, porque é muito rápida a resposta. Então são pontos complexos hoje que estão em aberto e que têm que ser superados para realizar para a gente tem uma resposta positiva da reforma, especialmente porque a carga tributária aumentou.

E esse aumento da carga tributária?
Então, essa foi uma briga que, infelizmente, o País perdeu. Com a alíquota proposta pelo governo de 26,5% de CBS mais IBS, o Brasil vai ser o segundo colocado mundial em termos de alíquota de IVA, só perde para a Hungria, que tem 27%. Se a gente somar o IS, o Imposto Seletivo, o Brasil assume a liderança mundial. A gente vai ser o país que vai ter a maior alíquota de imposto sobre o consumo do mundo. Então é algo complexo de lidar.

Considerando a conjuntura econômica do país hoje, quais são as expectativas do setor do comércio, serviços e turismo para esse ano de 2024?
O setor está vindo bem, ele veio bem do ano passado, o turismo estava crescendo muito. A gente teve uma vitória, que foi a sanção do PERSE, que era um programa de apoio ao setor de eventos. Embora a gente tenha mudado a regra que estava funcionando muito bem, a gente conseguiu ter muitas vitórias em cima da proposta inicial que o governo fez na reformulação do programa. E o setor de comércio e serviços vem faturando bem. O acesso a crédito, melhoria do mercado de trabalho, isso tudo está impulsionando os nossos setores. Então, esse ano tende a ser um ano positivo. O setor de comércio deve fechar de novo em torno de 2% de crescimento. Então, a perspectiva é boa. Nossa preocupação é maior no médio prazo, porque dados esses condicionantes da Reforma Tributária, às vezes a gente pode perder um pouco a atração, a partir de 2025, dependendo da regra que fique posta.

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O economista-chefe da CNC, Felipe Tavares, já ocupou cargos na Agência Nacional de Águas (ANA) e na Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados (SEDDM). É professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador associado da FGV Conhecimento.

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