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Analistas veem arcabouço fiscal sem credibilidade

O arcabouço fiscal, que vem perdendo credibilidade desde o seu lançamento, está cada vez mais perto de sofrer, nas palavras de um ex-secretário do Tesouro Nacional, o “tiro de misericórdia”. O risco é apontado já para o ano que vem, quando o avanço rápido das despesas obrigatórias – como pagamento de pessoal ou despesas previdenciárias – exigirá um corte estimado entre R$ 15 bilhões e R$ 30 bilhões nos demais gastos de um governo que, na avaliação de especialistas em contas públicas, não deu provas até agora de que está disposto a conviver com restrições orçamentárias.

Dos dois pilares que deveriam sustentar a confiança na regra fiscal, o primeiro, das metas a serem observadas nas contas primárias, ruiu de vez com a mudança, confirmada há um mês, nas metas fiscais dos próximos anos. Para economistas, foi provavelmente a primeira de outras que virão, uma vez que, enquanto o governo promete fechar tanto 2024 quanto 2025 com déficit zero, o mercado entende que o buraco nas contas públicas só vai ser coberto completamente em 2028.

O segundo pilar, referente ao compromisso em obedecer um limite às despesas públicas, ainda se sustenta, embora comprometido por manobras para abrir espaço a mais gastos. Pode, no entanto, desmoronar se houver uma elevação desse limite ou se forem excluídas despesas dele. É um risco monitorado no mercado pela facilidade, da qual o governo tem aproveitado, com que a lei do arcabouço pode ser alterada.

“Se o coração do arcabouço é o limite de gastos, qualquer alteração dele seria um tiro de misericórdia na regra fiscal. Tanto faz se a mudança for elevar os limites de crescimento da despesa ou excluir mais alguma despesa, qualquer criação artificial de espaço deve ser vista como o fim da regra”, diz o economista da ASA Investments Jeferson Bittencourt, que foi secretário do Tesouro Nacional em 2021.

As despesas públicas estão crescendo a um ritmo de 6% acima da inflação, quando o limite de expansão de gastos no marco fiscal é de 2,5%. Para acomodar no orçamento a escalada das despesas obrigatórias, será preciso que o governo faça cortes nos investimentos e no custeio dos serviços públicos.

As despesas discricionárias (sobre as quais o governo tem poder de decisão) nos próximos dois anos, observa Bittencourt, teriam de cair, respectivamente, para 1,5% e 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB), saindo de um porcentual, neste ano, de 1,8%. Em tese, é algo possível, já que em 2021 as discricionárias ficaram abaixo de 1,4% do PIB. Porém, a permeabilidade da regra à pressão política antecipou no mercado um debate sobre o fim do arcabouço, algo que só deveria ser considerado em 2027, com a volta dos precatórios ao limite de gastos.

Há dúvidas se o governo aceitará limitar um espaço no orçamento onde estão, por exemplo, as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A tendência é de a pressão só aumentar no próximo ano, em especial quando o governo enviar, em abril, as diretrizes do orçamento de 2026, ano de eleições presidenciais. “A intolerância a cortes aumenta conforme as eleições se aproximam”, lembra Bittencourt.

Em entrevista ao Estadão o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, considerou exagerada a preocupação no mercado com os rumos fiscais. “Estamos entregando exatamente o que falamos que íamos entregar e que ninguém acreditava que íamos conseguir”, disse (leia aqui a entrevista).

Fora do teto
O economista da XP Investimentos Tiago Sbardelotto concorda que a credibilidade de todo o arcabouço será reduzida a zero se houver novas alterações. “Uma regra com vida tão curta traria um efeito muito adverso para o mercado em relação à política fiscal.”

Conforme os especialistas em contas públicas, o governo já mostrou não estar disposto a trabalhar com despesas discricionárias mais baixas em alguns momentos. Entre eles, quando houve a antecipação de R$ 15 bilhões em crédito suplementar, aprovada num “jabuti” do projeto de lei que cria um seguro a vítimas de acidentes de trânsito. Também citam o uso de um fundo de garantia no programa Pé-de-Meia, que oferece incentivo financeiro contra a evasão de estudantes do ensino médio de escolas públicas, para tirar R$ 6 bilhões do limite de gastos.

O arcabouço vem sendo cumprido com artimanhas, contornos e atalhos, diz Gabriel Leal de Barros Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado. “O governo está criando várias deduções do limite de gastos”, diz o economista Gabriel Leal de Barros, ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. “O arcabouço vem sendo cumprido com artimanhas, contornos e atalhos. Já deu errado.”

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour entende que o governo poderá usar restos a pagar para compensar as despesas que superarem o limite de gastos no ano que vem. “Mas, para fins de credibilidade, isso pouco importa. O fato é que o teto não é mais teto. Há consenso de que a política fiscal vai perder credibilidade ao longo do tempo, seja por mudança da lei, seja pela utilização de mecanismos permitidos, mas que na prática tiram a credibilidade.”

Tribuna do Norte

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