Os acionistas da Petrobras aprovaram ontem mudanças no estatuto da companhia que poderão permitir indicações políticas para cargos na alta gestão da estatal. O resultado da votação, porém, foi apertado. As novas regras receberam o aval de representantes de pouco mais da metade (54,98%) das ações com direito a voto. Como acionista majoritário, o governo federal contava com votos suficientes para aprovar as mudanças.
Analistas avaliam que a mudança representa um retrocesso na governança da Petrobras, dando passos atrás na proteção da gestão e da operação da estatal. Ainda assim, as ações da companhia fecharam em alta na B3. As ações ON (com direito a voto) subiram 0,94%, a R$ 37,70, enquanto as PN (sem direito a voto) avançaram 1,93%, a R$ 35,91.
A Assembleia Geral Extraordinária, que ocorreu de forma híbrida, teve a participação de acionistas que representam 93,27% do capital social com direito a voto.
CONFLITO À LEI DAS ESTATAIS
As principais alterações no estatuto têm como base a decisão do STF, do ministro Ricardo Lewandowski, de março deste ano, que suspendeu os efeitos da Lei das Estatais quanto à restrição a indicações de conselheiros e diretores que sejam titulares de cargos públicos ou que tenham atuado, nos três anos anteriores, na estrutura decisória de partido político ou de campanha eleitoral.
Com isso, as novas regras vão permitir que possam ser indicados para o Conselho de Administração ministros e secretários estaduais e até municipais, além de titulares de cargos em comissões na administração pública e mesmo representantes do órgão regulador ao qual a Petrobras está sujeita, a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Também abriu-se o caminho para outras indicações antes proibidas, como a de nomear para a diretoria estatutária nomes que estão em partidos políticos, com mandato no Legislativo de qualquer ente federativo, que tenham cargo em entidade sindical ou comandem empresas que atuaram como fornecedoras da Petrobras nos últimos três anos.
Cai também a proibição ao ingresso de profissionais que trabalharam nos três anos anteriores à indicação para um cargo na Petrobras como membros de estrutura decisória de partido político, tenham trabalhado na organização, estruturação e realização de campanha eleitoral.
Se o representante dos empregados no Conselho de Administração não completar seu mandato, será preciso nova eleição para que ele seja substituído. Hoje, o segundo colocado assume o posto.
Outra alteração prevista é a exclusão da cobertura, no contrato de seguro, dos custos de defesa de executivos da companhia em processos judiciais decorrentes de atos ilícitos. Hoje, ex-gestores, mesmo acusados de desvios financeiros, têm os custos de defesa pagos pela estatal.
A assembleia aprovou ainda uma alteração no artigo 21 do estatuto da companhia, a pedido do representante da União na assembleia de acionistas, Ivo Timbo, procurador da Fazenda.
Antes dessa modificação, o texto do artigo dizia que a empresa deveria vedar indicações por conflito de interesses formal que estivessem “expressamente previstos em lei”. Essa lei, no entanto, não traz de forma expressa todos os casos que podem ser caracterizados assim. E isso pode, segundo fontes próximas à companhia, abrir caminho para qualquer indicação a cargos na Petrobras.
Com a mudança, as hipóteses de conflito formal seguem com os casos previstos em lei, e foram incluídas as hipóteses de conflito material, aquelas que podem gerar benefício próprio ao indicado ao cargo.
“A União não aprovou, e mudou. A redação estava obscura pelo que foi proposto pela companhia”, disse Timbo.
Uma medida cautelar concedida na manhã de ontem pelo ministro Jorge Oliveira, do Tribunal de Contas da União (TCU), porém, determinou que as alterações relativas à política de indicações para cargos na Petrobras só poderão ser registradas formalmente após manifestação final da corte sobre denúncias de irregularidades. As demais alterações aprovadas já passam a valer.
Durante o período aberto à manifestação dos acionistas, muitos defenderam o voto contrário e chegaram a pedir a retirada do tema da pauta justamente por haver duas decisões liminares sobre o tema tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto do TCU. Mas a proposta foi rechaçada pela União, que tem a maior parte dos votos.
‘RETROCESSO’ PÓS-LAVA-JATO
A aprovação das mudanças no estatuto, abrindo a possibilidade de indicações políticas para a alta cúpula da Petrobras, é um retrocesso na governança da companhia, avalia Luiz Marcatti, presidente da Mesa Corporate, consultoria especializada em governança.
Ele lembra que as alterações que foram feitas no estatuto após a Operação Lava-Jato trouxeram medidas que evitavam ingerências políticas e protegiam o interesse dos acionistas.
— Essa decisão de hoje é um retrocesso na governança da empresa. Depois da mudança da Lei das Estatais, após a Lava-Jato, que blindava a companhia contra ingerência política, isso vai contra o viés empresarial que deve ser adotado na administração de uma empresa como a Petrobras e favorece o viés político. Abre-se um balcão para negociação — diz Marcatti.
O especialista destaca que o ex-presidente Jair Bolsonaro trocou várias vezes o presidente da Petrobras, mas não conseguiu interferir na administração da estatal exatamente pela blindagem que o estatuto trazia.
AgoraRN