Muito se fala sobre o crescimento dos casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA). O Censo Demográfico 2022, divulgado no final do mês de maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou 2,4 milhões de brasileiros com diagnóstico de TEA. Segundo o Instituto, a maior concentração do diagnóstico em idades mais jovens reflete a evolução dos métodos de diagnóstico e maior atenção nas escolas e famílias. No entanto, para além do diagnóstico, pouco se fala sobre a questão da comunicação dessas pessoas, como lidam com as interações sociais e expressam suas emoções.
Para a neuropsicóloga Gleyna Leonez, as dificuldades de interação e comunicação social são fatores cruciais no diagnóstico de autismo. Ela explicou que essas dificuldades podem ser verbais ou não verbais, afetando a capacidade da criança de se comunicar por meio de palavras, expressões e linguagem corporal. Gleyna afirma que o pensamento comum de que “cada criança tem seu tempo” não é totalmente preciso, pois existem marcos de desenvolvimento que devem ser considerados para o diagnóstico, e a comunicação é um deles.
“Esses déficits de comunicação e interação social geram um prejuízo de fato muito grande. Uma das características centrais do autismo é esse desafio na comunicação verbal, ou seja, o que eu verbalizo em palavras, e também a não verbal, meu corpo e minhas expressões”, afirma a neuropsicóloga. Essas dificuldades de comunicação frequentemente resultam em sentimentos de frustração, ansiedade e isolamento, explica Gleyna. “Imagina uma criança que não consegue expressar claramente as necessidades que ela tem, ou compreender as expectativas sociais.”
A neuropsicóloga explica que essas crianças podem ter hipersensibilidade sensorial, o que pode levar a desregulações em ambientes com muitos estímulos. Elas também podem ser menos flexíveis e precisar de rotina e previsibilidade.
A previsibilidade é um fator importante na rotina de Rosimary Teixeira e seu filho Arthur, de 6 anos. Ela explica que Arthur tem uma rigidez cognitiva com relação à rotina que interfere diretamente em sua comunicação e socialização. “Quando a gente entra dentro de um Uber ele fala ‘bom dia, qual o seu nome, senhor?’, o motorista não responde, ele repete: ‘senhor, bom dia, qual o seu nome’. Ele continua perguntando até a pessoa responder, e só então a pessoa vê que ele é uma criança atípica. Ele é muito comunicativo, mas é uma comunicação muito rígida e insistente”, afirma.
Rosimary conta que, muitas vezes, na escola, as crianças podem achar Arthur desinteressado, que não gosta de brincar, mas que, na verdade, ele observa e tenta interagir da própria maneira. Ela explica que Arthur consegue comunicar bem suas emoções: grita quando está irritado, mas também demonstra carinho por meio de gestos como beijos e abraços. “O autista consegue entender, ele tem uma compreensão muito clara das emoções; muitas vezes ele não sabe verbalizar. A fala não vem apenas do que sai pela boca, mas a fala vem do coração. A comunicação é pelo coração. Uma mãe, quando tem uma criança, independentemente de ela ser atípica ou neurotípica, olha para aquela criança e vai começar a se identificar. Então, assim também é uma pessoa autista em meio à sociedade: ela consegue olhar para uma pessoa e fazer uma análise de que vai ser bem aceita por ela, se essa pessoa sorriu, estendeu a mão ou olhou indiferente.”
Formas de comunicação alternativa
A psicóloga especialista em desenvolvimento infantil e intervenção precoce no autismo, Bruna Andria, explica que crianças autistas têm dificuldade em identificar e expressar emoções, o que prejudica a comunicação receptiva e expressiva. “Uma coisa que está bem comumente associada a crianças que não conseguem ter a comunicação através da fala é que essa comunicação vai aparecer de alguma outra forma, por meio de algum comportamento que ela desenvolveu para conseguir algo de que necessita ou para chamar a atenção do seu responsável”, explica Bruna.
Por isso, a comunicação alternativa aumentativa (CAA) é uma opção para crianças que não conseguem verbalizar. A CAA usa diferentes métodos e recursos, tanto digitais quanto analógicos, para facilitar a expressão e interação dessas pessoas. Alguns dos recursos que podem ser utilizados são pastas com cartões e figuras ou tablets com aplicativos especializados em comunicação.
De acordo com a psicóloga, o cérebro de uma pessoa com autismo está muito ligado à questão da sensibilidade aos estímulos, sendo isso bastante individual: algumas crianças são hipersensíveis ou hipossensíveis a estímulos, necessitando de diferentes abordagens de comunicação. No entanto, existem recursos como arte, música e pintura que podem ser positivos para algumas crianças, enquanto outras precisam de abordagens mais simples e categóricas.
A médica Rochele Elias, mãe de Alberto Barbalho, de 18 anos, conta que seu filho falava poucas palavras quando tinha 1 ano e meio, mas que houve uma involução na fala e só por volta dos 3 anos ela conseguiu o diagnóstico. Alberto fazia terapias desde muito cedo, mas foi através da fonoaudióloga, anos depois, que foi introduzida uma comunicação alternativa em sua rotina. “O que a gente usava na época é o PEC, que é uma sigla em inglês para o sistema de troca da comunicação por figuras. Aí melhorou muito, porque a gente começou a perceber que muita coisa do comportamento dele que a gente não entendia era porque ou ele não conseguia se expressar, ou não conseguia ser entendido.”
A comunicação alternativa também foi fundamental após o diagnóstico de apraxia da fala, um distúrbio neurológico que afeta a capacidade de sequenciar os movimentos musculares necessários para a produção da fala, causando dificuldades na articulação de palavras e sons. Hoje, Alberto estuda gastronomia na universidade e, parte do tempo, se comunica através de um tablet com aplicativo específico.
De acordo com Rochele, Alberto compreende bem as coisas e participa das aulas normalmente, com apoio. “O repertório dele é grande, ele entende o que o professor está falando, entende aquele tipo de alimento. Por exemplo, ontem teve uma aula que era sobre peixe, e aí no domingo ele foi ao shopping e comprou um descascador de peixe porque ele já sabia que essa semana ia ter essa aula”, conta.
Família é fundamental para o desenvolvimento
A neuropsicóloga Gleyna Leonez explica que a avaliação neuropsicológica é o primeiro passo para um diagnóstico diferencial, pois pode haver outras condições associadas ao autismo, como dificuldades motoras da fala, altas habilidades ou déficit cognitivo. No entanto, muitas vezes mães e pais acabam desenvolvendo um tipo de linguagem própria com base em como a criança ou adolescente se comporta, porque passam a perceber um padrão.
Rochele Elias ressalta a importância do apoio da família na comunicação com Alberto. “É um trabalho diário, 24 horas por dia, e todo mundo da casa, todos que estão próximos, têm que ter o mesmo comportamento. Lógico que nem todo mundo vai ter o mesmo padrão, mas tem que tentar.” Rochele diz ser fundamental dar autonomia ao filho no processo de comunicação. “Você perguntar, dar oportunidade da pessoa escolher. As mães dizem assim: ‘ele não é só um diagnóstico’, mas ninguém pergunta o que ele quer. Às vezes não enxergam a pessoa ali com vontade, com desejo, com interesse. Isso é importante, tem que aprender a ler nas entrelinhas, tem que conviver.”
Já Rosi conta que utiliza música para falar com Arthur. “Eu sempre deixo um momento do nosso dia pra gente ouvir música. Eu acho que a música é um meio da gente se comunicar, de se conectar, é ótimo.”
Tribuna do Norte