Com 47,6% da população inadimplente, o Rio Grande do Norte é o terceiro estado do Nordeste e o 13º do País com maior índice de endividados, de acordo com o Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas no Brasil, da Serasa. No cenário nacional, os dados mostram que em abril deste ano o endividamento atingiu 6,6 milhões de brasileiros, registrando um aumento de 1,15% em comparação com o mês anterior. De acordo com William Eufrásio Nunes, professor do Departamento de Economia da UFRN, esse é o principal efeito de um cenário onde a educação financeira está inacessível para a maior parte da população.
Nunes coordena, na universidade, um programa de saúde financeira que consiste na aplicação de palestras nos departamentos da instituição, consultoria a servidores e realização de um curso aberto a toda a comunidade sobre o tema. O professor avalia que a grande carência dos brasileiros em relação ao controle do próprio orçamento é um gargalo que resulta nos altos índices de inadimplência registrados no País. “Mas é preciso alertar que o endividamento é o primeiro e mais grave problema, mas não é o único. Ele se alinha a questões de ordem neuropsicológica”, afirma o especialista.
Segundo o economista, quando está endividado o indivíduo começa a apresentar sinais mais agravantes, como ansiedade e fobia, em um processo neurodepressivo que o leva a uma verdadeira ciranda. “Então, ele passa a comprar para aliviar a pressão da dívida, aumentando-a e aderindo a uma espiral terrível”, alerta o professor. Para ele, educação financeira é fundamental, embora esta seja uma realidade bem distante da maioria dos brasileiros.
Para tentar reverter este cenário, um Projeto de Lei (PL 1510/2025), de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD/MS), estabelece a obrigatoriedade do tema nas escolas do País. O PL está em análise no Senado.
“De fato, nós temos um déficit muito grande no que se refere à educação financeira em todos os âmbitos e dimensões. É um tema que está vindo à tona muito recentemente e de uma forma bastante lenta. Ela é fundamental para nós entendermos como as nossas necessidades são satisfeitas pelo mercado, que é rico em opções de mercadorias, preços e outros atrativos. Então, é preciso compreender a relação econômico-financeira para saber fazer escolhas”, ensina.
O professor defende que elementos da administração e contabilidade, além de componentes neuropsicológicos educacionais façam parte do processo de educação financeira. Além disso, devem ser incluídos conteúdos como história do dinheiro, organização de orçamento, administração de receitas, formação de poupança, mercado produtivo e financeiro, direitos do consumidor, direito econômico e tomada de decisões.
Educação financeira leva alunos à Olimpíada
Ciente das lacunas no ensino de educação financeira, em 2020 o professor de Matemática Itamar Carvalho passou a inserir o tema nas aulas da Escola Municipal Professor Ulisses de Góis, no bairro de Nova Descoberta, na zona Sul de Natal. A iniciativa levou os alunos à Olimpíada do Tesouro Direto de Educação Financeira (OLITEF) da bolsa de valores do Brasil (B3) em parceria com o Tesouro Nacional. Um dos estudantes, inclusive, trouxe para casa uma medalha de ouro da OLITEF.
De forma lúdica, o ensino na Ulisses de Góis traz questões como gestão financeira, orçamento, investimentos, resolução de problemas relacionados a dívidas e meios de economizar. Segundo Carvalho, o tema é muito bem acolhido pelos estudantes. De acordo com o planejamento do próprio docente, em 2025 as aulas serão ministradas no segundo semestre para alunos do 6º ao 9º ano. As aulas incluem preparação para a OLITEF, com realização de simulados.
“Ensino desde os assuntos mais simples aos mais complexos. Explico o papel da B3, do Tesouro Nacional, de investimos como CDI, CDB, rendas fixas e variáveis”, conta Itamar Carvalho. Yasmim Vitória, de 13 anos, está entre os estudantes que tiveram acesso às aulas de educação financeira em 2024. O bom desempenho na OLITEF garantiu a ela uma medalha de Honra ao Mérito. Feliz com o resultados dos esforços na Olimpíada, Yasmim comenta que os ensinamentos sobre como lidar com dinheiro são a melhor parte.
“Até o ano passado eu não tinha ideia do que era educação financeira. Hoje entendo que a gente precisa comprar somente aquilo que é necessário. São ensinamentos que eu levo para a vida”, conta a estudante, que vibra também com a participação na OLITEF. “Me preparei bastante para a prova da Olimpíada e, literalmente, caiu tudo aquilo que eu estudei. Então, não foi difícil. Mas confesso que não esperava ganhar medalha”, revela.
A autônoma Elizângela Costa, mãe de Yasmim, diz que a filha dá até dicas de como a família pode controlar as finanças em casa. “Ela me orienta dizendo que às vezes não preciso comprar tanta coisa. Nunca tive acesso a esse tipo de educação, por isso acho muito importante que ela tenha”, afirma.
O professor William Nunes explica que algumas iniciativas simples podem fazer a diferença e levar à aprendizagem dos conhecimentos básicos de educação financeira. “É muito comum encontrar situações em que os pais também não tiveram acesso ao tema, mas a família é o primeiro núcleo onde se deve pensar sobre isso. Nesse caso, os ensinamentos envolvem o diálogo e a ida com os filhos à feira ou ao supermercado, mostrando como acontece a organização financeira. Também pode-se estabelecer uma pequena mesada para a criança, para provocar estímulos relacionados ao cuidado com o dinheiro”, esclarece.
Diagnóstico ajuda a organizar finanças
Sem acesso à educação financeira, cuidar das contas pode ser um desafio para muita gente. No ano passado, uma pesquisa realizada pela Onze, fintech de Saúde Financeira e Previdência Privada do Brasil, mostrou que 47% dos brasileiros não sabem como organizar o próprio orçamento. O professor William Eufrásio Nunes, do Departamento de Economia da UFRN, ensina que, em caso de endividamento, o primeiro passo é fazer um diagnóstico para compreender a profundidade do problema.
“Um orçamento bem feito é aquele que mostra as despesas diárias. A cada sete dias, pelo menos, é preciso observar os gastos efetuados ao longo da semana e começar a identificar se o item comprado foi fruto apenas das próprias emoções. Ao perceber isso, o indivíduo vai ser capaz de fazer pequenos cortes, de maneira lenta – é sempre bom evitar mudanças radicais. A partir daí, com o exercício de poupar, ele começa a ter condições de começar a pagar as dívidas. Outro trabalho, mais difícil é tentar aumentar a renda”, orienta.
O acesso a aspectos da educação financeira deve começar o quanto antes, ainda na infância. William Nunes diz que as questões relacionadas ao uso do dinheiro devem ser introduzidas na vida da criança por volta dos seis anos, para que ela compreenda que a quantidade de recursos disponíveis sempre encontra limitações frente aos desejos de compra.
Itamar Carvalho, professor de educação financeira na Escola Ulisses de Góis, aponta que esse conhecimento precoce irá provocar reflexos positivos lá na frente. “Quando a criança tem acesso a esse tipo de informação, ela começa a fazer uma trajetória de vida mais acertada, com capacidade de fazer investimentos em renda, por exemplo”, pontua.
Carvalho argumenta que o ensino de educação financeira deve ser expandido, o que indica a necessidade de variados esforços, como a formação de professores, ações pontuais como jogos e gincanas nas escolas, além de atividades que instruam o aluno a lidar com o dinheiro.
Tribuna do Norte