A divulgação inédita do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do números de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerada um avanço histórico, mas também evidencia lacunas importantes e pode ser uma oportunidade de fortalecer políticas públicas.

É o que o avalia a neuropsicóloga Samantha Maranhão, especialista no cuidado à pessoa com autismo e coordenadora de atividades de ensino em saúde do Instituto Santos Dumont (ISD), no Rio Grande do Norte.

Para ela, a visibilidade da estatística estabelece um novo patamar de responsabilidade ao poder público.

“Ter esses dados de forma sistematizada é um ganho histórico para a gente pensar políticas públicas e planejar ações de cuidado. Mas, ao mesmo tempo, evidencia o quanto ainda precisamos avançar na estruturação dos serviços”, avalia.

➡️ Os dados estavam presentes no Censo 2022 do IBGE e foram divulgados nesta sexta-feira (23). No Rio Grande do Norte, 37.625 pessoas (1,1% da população) possuíam o diagnóstico, com maior prevalência entre meninos de 5 a 9 anos, faixa etária em que o percentual chega a 4,2%.

➡️ Em Natal, capital do estado, o índice chega a 1,4% da população — o maior entre os municípios potiguares com mais de 100 mil habitantes.

➡️ Já no Brasil, são 2,4 milhões de brasileiros – o equivalente a 1,2% da população – com autismo.

🔎 Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) “se refere a uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva”.

Busca por atendimento especializado

Samantha Maranhão destaca que o diagnóstico precoce tem avançado, mas muitas famílias ainda enfrentam um longo caminho até garantir atendimento especializado, sobretudo em função da alta demanda de novos casos identificados.

“O grande desafio é o acolhimento dessa alta demanda sem gerar filas de espera, sem gerar uma demora muito grande para ações concretas de prestação de serviço; seja na saúde, na educação, em todos os cenários que a pessoa autista quer se inserir. Ainda há um tempo muito grande entre procurar ajuda e de fato ter ajuda”, afirma.

Os dados do IBGE apontam ainda que, no Rio Grande do Norte, a prevalência do diagnóstico é significativamente maior entre homens (1,5%) do que entre mulheres (0,8%), um padrão observado mundialmente.

Outro número preocupante é o recorte etário: entre os meninos de 0 a 4 anos, a prevalência é de 3%; entre os de 5 a 9 anos, sobe para 4,2%.

Após os 20 anos, o índice despenca para menos de 1%, o que sugere uma combinação entre subdiagnóstico na fase adulta e invisibilidade social.

Índices de escolarização

A neuropsicóloga também chama atenção para os índices de escolarização, que caem drasticamente com o avanço da idade: se entre 6 e 14 anos a maioria das crianças potiguares autistas está na escola (mais de 91%), entre os adultos com 25 anos ou mais a taxa é inferior a 7%.

“Quando a gente olha para a população adulta, provavelmente é uma população que está recebendo diagnóstico tardio e infelizmente não teve acesso à educação, ao sistema de saúde de qualidade, para dar suporte nessa fase da infância e da adolescência, então acabaram crescendo sem instrução e com ensino fundamental incompleto”, observa Samantha.

Com a inclusão do TEA no Censo, prevista na Lei nº 13.861/2019, o Brasil passa a integrar o grupo de países que monitora oficialmente a prevalência do transtorno.

Para a especialista do ISD, a mudança abre caminho para a formulação de políticas públicas baseadas em evidências, mas exige mais que números.

“É preciso olhar para a nossa realidade, a partir dos nossos dados e o perfil da nossa população. Agora, a gente vai poder olhar para essa demanda com um dado que é real e que é brasileiro”, finaliza.

Samantha Maranhão, neuropsicóloga do ISD, em Natal | Foto: Divulgação
Samantha Maranhão, neuropsicóloga do ISD, em Natal | Foto: Divulgação

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