O Congresso Nacional promulgou o complemento da lei do marco temporal para demarcação das terras indígenas (Lei 14.701/23), contendo os trechos inicialmente vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nova lei só admite a demarcação de terras indígenas que já estavam ocupadas ou eram disputadas pelos povos originários até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Nas redes sociais, o coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Pedro Lupion (PP-PR), comemorou a nova lei, mas admitiu que terá novos embates pela frente até a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição sobre o tema.

“O presidente da República tinha 48 horas depois do recebimento para promulgar [os vetos derrubados], mas se recusou a fazê-lo, em mais uma demonstração clara do desrespeito deste governo com o Congresso Nacional, depois que a gente colocou mais de 350 votos na derrubada desses vetos. Mas Rodrigo Pacheco, como presidente do Congresso Nacional, promulgou a lei e, agora, está válida. Imagino que virão novas batalhas: já estou vendo judicialização lá na frente. Mas, enquanto isso, nós trabalhamos com as PECs – 132 na Câmara e 48 no Senado – para que a gente constitucionalize o tema e consiga vencer essa batalha de uma vez por todas”, afirmou.

A polêmica já se arrasta por décadas. Em setembro, o Supremo Tribunal Federal havia derrotado o marco temporal, mas, em outubro, Câmara e Senado aprovaram a retomada da tese por meio da nova lei, parcialmente vetada pelo presidente Lula. Após a derrubada dos vetos pelo Congresso, em dezembro, PT, PC do B, PV, Psol e Rede Sustentabilidade recorreram ao STF pedindo a nulidade de vários trechos da legislação.
Ainda no Plenário do Congresso, a coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), expôs argumentos culturais, humanitários e ambientais contra o marco temporal. “O marco temporal é uma tese anticivilizatória de país, é premiar ladrões de terras indígenas e uma derrota para toda a humanidade. Acabamos de sair da COP, e nós, povos indígenas, somos tidos como uma das últimas soluções para barrar a crise climática”, afirmou.

Também indígena, a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) afirmou em nome da oposição: “Nós não podemos voltar na História e impor que vocês, brasileiros assim como eu, paguem uma dívida do passado. Não podemos impor que brasileiros sejam prejudicados por uma instrumentalização para colocar indígenas contra outros brasileiros”.

Exportações
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), criticou a postura da bancada ruralista e previu dificuldades para a exportação do agronegócio brasileiro diante das novas exigências de sustentabilidade socioambiental no mercado internacional.

“O agronegócio não precisa das terras indígenas. É importante que o agronegócio entenda que tirar direito dos povos indígenas é dar um tiro no pé do próprio agronegócio. Não estão entendendo isso. Talvez falte um pouco de mais clareza para a direção da Frente Parlamentar da Agropecuária, que tem um olhar estreito e curto que não contribui para o Brasil”, disse ele.

Com a promulgação dos vetos derrubados, entre outros pontos, a lei considera terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram, simultaneamente: habitadas por eles em caráter permanente; utilizadas para suas atividades produtivas; imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Prefeitura realizará censo dos povos indígenas

Visando à visibilidade, valorização e reconhecimento da presença indígena no território do município de Natal, a Prefeitura da capital, em parceria com a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação do RN (Funcite/RN), firmou no início da tarde desta quarta-feira (3), um termo de cooperação para realização do censo dos povos indígenas presentes na capital potiguar. O objetivo da pesquisa é dar subsídios para orientar os órgãos municipais quanto à implementação de políticas públicas específicas que atendam aos anseios da população indígena. O período da cooperação é de oito meses.

De acordo com o prefeito Álvaro Dias, os povos indígenas foram silenciados ao longo da história, como também os povos africanos. Ainda segundo o chefe do executivo municipal, a colonização portuguesa foi responsável pelo massacre, desaparecimento e silenciamento dos povos originários. “A nossa história precisa ser recontada, revisada e revista. Nós temos uma dívida social impagável. Com o recenseamento, vamos atenuar essa dívida com políticas públicas voltadas para a população indígena, garantindo educação, saúde e assistência social. O censo é uma reafirmação dos direitos indígenas. Nós enviamos um projeto de lei para a Câmara Municipal do Natal com o objetivo de implementar a obrigatoriedade do estudo dos povos originários no currículo escolar das escolas municipais”, assinalou o gestor.

Natal é uma das maiores capitais do Nordeste brasileiro caracterizada pela diversidade cultural e étnica de sua população. A capital está localizada em uma região com relevante presença histórica e cultural dos povos indígenas, que possui uma rica história, cultura e tradições a serem preservadas e valorizadas.

No entanto, a falta de informações atualizadas e precisas sobre a população indígena no município dificulta a implementação de políticas públicas adequadas para atender às suas necessidades específicas. Nesse sentido, a Prefeitura propõe a realização de um censo indígena, a fim de coletar dados demográficos e socioeconômicos relevantes, visando aprimorar o planejamento e a execução de políticas inclusivas e direcionadas a esse grupo.

No entendimento da secretária municipal de Igualdade Racial, Direitos Humanos, Diversidade, Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência, Yara Costa, o censo é uma importante política de reconhecimento à existência dos povos indígenas no município de Natal. Segundo ela, a batalha pela realização do censo iniciou em 2021, em conjunto com os movimentos sociais. “Historicamente, houve um apagamento dos nossos povos originários.

Inclusive, reconhecido pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI). É preciso, antes de tudo, coragem para implementar políticas voltadas para os povos originários. Para mim, é uma grande honra trazer uma política pública, como o censo, para sabermos quantos indígenas temos no território natalense e, a partir daí, traçarmos novos caminhos para a população originária no município”, observou Yara Costa.

A realização de um censo indígena em Natal permitirá o reconhecimento oficial da população indígena que vive na cidade. Muitas vezes, as comunidades indígenas podem ser invisibilizadas e negligenciadas, e o censo fornecerá dados concretos que evidenciem sua existência e contribuição para a diversidade cultural local. Com dados precisos sobre a população indígena, as autoridades municipais poderão desenvolver políticas públicas mais efetivas para atender às necessidades específicas dessas comunidades. Os custos para operacionalização do convênio serão financiados com recursos no valor global de R$ 60 mil, oriundos do orçamento da Secretaria Municipal de Igualdade Racial e Direitos Humanos (Semidh).

A liderança indígena no município de Natal, Maria Xorokê, pontuou que na capital potiguar existem 64 famílias indígenas reconhecidas pela Funai. Na visão dela, a população precisa não só do reconhecimento, mas também de visibilidade, educação e saúde: “Precisamos quebrar barreiras e tabus no município. Várias demandas nossas precisam ser atendidas. Uma delas é na área de educação. As escolas precisam matricular as nossas crianças, que encontram dificuldades para ingressar nas instituições de ensino, porque não têm a documentação necessária.

Tribuna do Norte

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