A evolução tecnológica e o avanço acelerado da inteligência artificial (IA) têm transformado radicalmente o mercado de trabalho, criando novas oportunidades e exigindo adaptações profundas dos profissionais no campo tecnológico. Cargos que até pouco tempo atrás sequer existiam já são realidade e apontam para um cenário onde a capacitação contínua e o desenvolvimento de novas habilidades são indispensáveis nas empresas.
Álisson Oliveira é exemplo desse novo perfil profissional. Especialista em IA e Ciência de Dados, sua trajetória começou em 2009 no suporte e manutenção de equipamentos, funções que hoje parecem distantes do que ele faz como líder técnico em soluções industriais com aplicação de inteligência artificial. “Desde 2022, atuo em projetos de IA no setor industrial, trabalhando com Deep Learning e Machine Learning, utilizando imagens de satélite para reconhecimento de padrões e monitoramento de equipamentos. Isso possibilita prever falhas e otimizar a manutenção, evitando, por exemplo, paradas de máquinas”, explica.
Para ele, o grande desafio está na escassez de profissionais qualificados. “Muitas pessoas estão mudando de área, atraídas por essas inovações, mas ainda há um grande gargalo na formação e adaptação a essas tecnologias que surgem a todo momento”.

Com menos tempo no mercado, a cientista de dados Lhayana Vieira se formou em Economia e hoje cursa mestrado em IA no Instituto Metrópole Digital (IMD). Ela reforça o movimento de profissionais como ela, vindos de formações diversas e ingressando em áreas tecnológicas. “Comecei com dados econômicos e hoje trabalho com dados financeiros e machine learning, que utiliza estatística, matemática e programação para prever resultados. A minha graduação em economia não ofereceu o conhecimento necessário para as funções que precisei executar. Eu tive que buscar esse conhecimento sozinha”, conta.
Ela destaca que o campo é promissor, com funções específicas como engenheiro de IA, e que a combinação entre matemática, estatística e tecnologia é o que mais a atrai. “Hoje já surgem cursos específicos, como o bacharelado em IA no IMD, que ajudam a preparar melhor os profissionais para o mercado”, complementa.
Segundo um levantamento da plataforma LinkedIn, 10% dos profissionais contratados em 2024 ocupam cargos inexistentes no início dos anos 2000, como cientistas de dados, engenheiros de IA e especialistas em automação financeira. O estudo ouviu mais de 2 mil profissionais de RH em 10 países, além de 5 mil usuários e executivos da plataforma. Os dados indicam que as habilidades exigidas hoje pelo mercado devem ser substituídas ou significativamente alteradas em 75% até 2030.
A empregabilidade no setor é um atrativo e, segundo o Guia Salarial 2025 da consultoria Robert Half, a Inteligência artificial será uma das áreas com maior demanda de contratações em TI no Brasil em 2025. A remuneração é outro fator. O levantamento da Half aponta que o salário inicial de um analista de suporte júnior – o cargo mais básico na lista da pesquisa – fica na faixa de R$ 3,4 mil no Brasil, enquanto o inicial de um gerente de dados fica em torno de R$ 22,5 mil. As cifras, no entanto, ultrapassam os R$ 30 mil para quem inicia nos cargos mais altos, como o de CIO – Chief Information Officer.
Formação
O diretor do IMD, Rodrigo Romão, ressalta que o mercado contemporâneo exige menos tarefas mecânicas e mais habilidades humanas e estratégicas, as chamadas soft skills, como inteligência emocional e persuasão. “Com a inteligência artificial assumindo atividades repetitivas, sobra para o profissional o papel de pensar estratégias e relações humanas”, comenta. “A formação precisa refletir isso, e o IMD oferece um ciclo formativo completo em IA, desde cursos técnicos até pós-graduação, para atender essa demanda crescente”, explica.
O instituto observou a ausência de cursos de formação consolidados na área e iniciou o projeto “Metrópole IA 360”, que traz todo o percurso formativo tradicional com uma característica voltada para a Inteligência Artificial. “A gente tem um bacharelado, um programa de estudos secundários para profissionais já formados que queiram se especializar, tem a parte da pós-graduação, o MBA em inteligência artificial, e futuramente, quem sabe, mestrado e doutorado na área”, conta Rodrigo.
Ele diz que o mercado remunera bem quem domina essas competências e, assim como a internet, a IA passará a ser uma ferramenta básica e disseminada.
Indústria e microempresas conectadas pela IA
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai RN), braço da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern), também identificou as demandas tecnológicas da indústria e incluiu a IA no currículo técnico de cursos como eletrotécnica, eletromecânica e automação.
Amora Vieira, diretora dos Centros de Educação do SENAI em Natal explica que a instituição prepara instrutores e desenvolve um portfólio para o segundo semestre com cursos em IA e cibersegurança, alinhados à demanda industrial potiguar, que busca inovação e eficiência operacional. “Queremos formar profissionais com senso crítico para aplicar IA na melhoria de processos produtivos, desde gestores industriais até técnicos e engenheiros”, ressalta.
Os cursos serão voltados tanto para quem quer iniciar na área, quanto para quem já está atuando e quer se especializar. Serão oferecidas oportunidades em Deep Learning – eficiência no processo de dados, Machine Learning – parâmetros de algoritmos, Inteligência Artificial aplicada a cibersegurança e Inteligência Artificial (IA). “A gente fala muito em indústria 4.0, em inovação, em tecnologia e desenvolvimento e em análise de dados. Então, a nossa intenção enquanto instituição que forma pessoas no nível técnico, principalmente, é desenvolver habilidades para que avalie como a IA se aplicaria numa solução de desenvolvimento operacional nas suas atividades”, destaca.

O Senac RN também está reformulando seus cursos para incluir novas habilidades e preparar para o mundo do trabalho em constante evolução. Segundo o diretor da entidade, Raniery Pimenta, a visão é de que essa transformação afeta também profissões tradicionais, que precisam incorporar a IA para se manter relevantes. “A adaptabilidade é a competência-chave hoje. Então o Senac tem feito um processo de reformulação no seu portfólio, trazendo novos cursos, novas competências dentro dos cursos que a gente já trabalha”, afirma.
Segundo ele, áreas como tecnologia da informação enfrentam déficit de profissionais, mesmo com alta empregabilidade e remuneração que acompanham a entrega e a capacidade de inovar. Por isso, até os setores mais tradicionais podem abarcar esses novos conhecimentos. “É formação em Inteligência Artificial para guia de turismo, por exemplo, para assistente administrativo. A gente vê muito essa evolução no sentido das profissões evoluírem, não somente novas profissões”, aponta.
O Innovation Day, evento realizado pelo Sistema Fecomércio na programação da Semana S na última sexta-feira (16), refletiu essas tendências com debates sobre o impacto da tecnologia no futuro do trabalho, reunindo economistas, empreendedores e futuristas para discutir desafios e oportunidades.
Para as empresas, o desafio é organizar suas estruturas internas para incorporar novas funções e capacitar seus colaboradores. Pequenos negócios, por exemplo, têm buscado no Sebrae cursos para aplicar a IA na gestão e otimizar processos, demonstrando que a inovação não é exclusividade do grande porte.
Carlos Von Sohsten, gerente da Unidade de Tecnologia da Informação e Comunicação e gestor do IALab, destaca que a entidade foca em capacitar micro e pequenos empresários para integrar a IA no dia a dia dos negócios, por meio de cursos que já circulam pelo estado e programas de consultoria para estruturar essas novas áreas nas empresas. “É voltada para o empreendedor, para que ele entenda como ele pode utilizar essa tecnologia na gestão e envolver seus colaboradores, seus times nas diversas atividades demandadas. Além disso, a gente tem programas de consultoria, ajudando a formatar e organizar essas novas áreas que vão lidar com essas novas tecnologias”, relata.
NÚMERO
R$ 22,5 mil
É o salário inicial de um gerente de dados no Brasil
Tribuna do Norte