ESTADÃO CONTEÚDO
Agência de Notícia
BRASÍLIA – No grupo de WhatsApp dos chefes e diretores das forças de segurança do Distrito Federal, os sinais de que o pior aconteceria estavam postos desde as vésperas do 8 de Janeiro: o evento era batizado de “tomada pelo povo” e manifestantes vinham a Brasília munidos de pés de cabra, paus, estilingues e “possivelmente armados” – entre eles, uma mulher que fazia “apologia ao assassinato do presidente” Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A cúpula do governo distrital, incluindo servidores da confiança do então secretário de segurança do DF, Anderson Torres, sabia que a intenção dos extremistas era chegar à Esplanada para a “tomada do poder”.
Apesar das evidências que fariam manifestações de outras naturezas serem prontamente reprimidas, as autoridades do DF não tomaram nenhuma medida compatível com a tentativa de golpe de Estado que se desenhava. Em vez disso, permitiram a escolta de uma multidão até o Congresso. As trocas de mensagens no grupo de WhatsApp “Perímetros segurança” revelam uma série de omissões, avaliações equivocadas sobre riscos e um “apagão” decisório quando a destruição começou. O Estadão teve acesso à íntegra das conversas.
Quando questionados sobre o papel que desempenharam no episódio, os principais líderes do grupo transferem responsabilidades uns aos outros, mas admitem falhas no planejamento ou na execução do plano traçado na antevéspera. Um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) apura a responsabilidade de membros das forças de segurança de Brasília e também de integrantes das Forças Armadas.
Havia outros grupos de conversas com integrantes de forças de segurança. Mas em uma reunião no dia 6, realizada no Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob), ficou decidido que o “Perímetros” serviria para troca de informações necessárias tanto para ações de “monitoramento” de manifestantes quanto para “acionamento” de equipes. A decisão de priorizar o grupo foi comunicada ainda na manhã daquele dia pela coronel Cíntia de Castro, subsecretária de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF).
Além dela, também estavam no grupo o delegado Fernando de Sousa Oliveira, secretário-executivo da SSP-DF, número 2 da pasta, e a delegada Marília Alencar, chefe da seção de Inteligência da secretaria. O trio era subordinado ao então secretário Anderson Torres. O chefe da pasta viajou aos Estados Unidos ainda no dia 6, apesar dos alertas sobre a possibilidade de tumulto na capital.
Relatos e reações das forças de segurança no dia “D”
Desde o começo da manhã de 8 de janeiro, os integrantes do grupo de WhatsApp receberam relatos sobre a intenção de apoiadores de Bolsonaro de partir para ações extremas a qualquer momento. Às 8h50, o coronel Jorge Henrique Pinto, do setor de Inteligência da SSP-DF, avisou ao grupo que os radicais falavam em caminhar para a Esplanada “logo após o almoço com suas mochilas”. “Alguns incrementam os discursos dizendo que não devem mais jogar nas ‘quatro’ linhas da CF (Constituição Federal)”, relatou o policial.
A expressão “quatro linhas da Constituição” era rotineiramente usada por Bolsonaro durante o mandato. Como mostrou o Estadão, os extremistas reproduziram frases literais de Bolsonaro ao invadirem as sedes dos Três Poderes, seguindo um roteiro de ideias disseminadas pelo ex-presidente.
Com o passar das horas daquele 8 de janeiro, o grupo de conversas era avisado pela Inteligência da Secretaria de Segurança de que mais extremistas se dirigiam a Brasília. “Estão conclamando mais pessoas pelos grupos de Whatsapp”, avisou o capitão Júnior, da Inteligência do DF, às 10h16. “Acabaram de falar que vão esperar muitas caravanas que estão chegando.”
Às 12h36, o militar informou às forças policiais que “o público em toda a extensão da Praça dos Cristais”, em frente ao QG do Exército, “está entre 5.000 e 5.500 pessoas”. “Alguns manifestantes demonstram animosidade”, relatou Júnior.
O relato das equipes na rua não era seguido por mudanças no planejamento ou por novas ordens que pudessem fazer frente à escalada da agressividade que era reportada para toda a cúpula da segurança. As autoridades tomavam ciência do acirramento dos ânimos e das pretensões dos radicais.
Tribuna do Norte