Uma Ação Civil Pública protocolada nesta terça-feira (31) pede o restabelecimento imediato da assistência cardiológica de média e alta complexidade na rede pública de saúde do Rio Grande do Norte.
A ação conjunta dos Ministérios Públicos do RN e Federal e das Defensorias Públicas do RN e da União foi distribuída para a 1ª Vara Federal de Natal.
De acordo com os órgãos, os procedimentos nos dois hospitais conveniados com o SUS em Natal (Hospital Rio Grande e Hospital do Coração) estão suspensos desde a segunda quinzena do mês de setembro. O motivo é o teto financeiro estabelecido no recebimento de recursos federais, que foi ultrapassado em agosto, impossibilitando novas cirurgias.
Em outubro, o Hospital Universitário Onofre Lopes (HOUL) também parou de realizar os procedimentos cardiovasculares por falta de insumos, o que, segundo as instituições, piorou o cenário na capital potiguar.
Atualmente, segundo o Ministério Público do RN, há pelo menos 71 pacientes internados – sendo 41 idosos – em unidades de saúde do estado à espera de cateterismo e mais de 180 pacientes aguardam para realização de cirurgias cardiológicas eletivas.
“Essas situações, muito mais que urgentes, são emergenciais. São pacientes que estão internados. E isso impede também a rotatividade dos leitos, prejudicando a assistência de outras linhas de cuidado. Neses últimos 15 dias, as demandas judiciais aumentaram bastante em razão dessa situação”, explicou a defensora pública Cláudia Queiroz, coordenadora do Núcleo de Saúde da Defensoria Pública.
Os órgãos entendem que há também, neste momento, uma limitação das ações do Estado e do Município – que também respondem à ação – por falta de recursos suficientes, já que o teto já foi atingido. E esse foi um dos motivos de acionar diretamente o Poder Judiciário.
“Nós percebemos que o obstáculo financeiro estava praticamente intransponível para o orçamento sanitário de Natal. E precisávamos implicar a União para que ela chegasse, considerando que o direito à saúde é garantido pela Constituição de forma solidária pelos três entes”, explicou a promotora de Defesa da Saúde do MPRN, Iara Pinheiro.
A avaliação dos órgãos é que é necessário subir o teto em pelo menos R$ 47 milhões para o Estado.
“Esse aumento de teto inclusive já ocorreu em outros estados da federação, então é preciso que o Ministério da Saúde também se debruce sobre a situação do RN, porque existe uma defasagem muito grande na tabela SUS, que é fixada pelo Ministério da Saúde, então tudo isso precisa ser avaliado pelo Ministério, para que o estado e o municípío obtenham o cofinanciamento do valor necessário para que a oferta se dê de forma regular”, availou a defensora pública Cláudia Queiroz.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), informou que o processo surgiu “de uma demanda apresentada pelo próprio órgão aos autores da ação no dia 20 de outubro”. No ofício, a Sesap, fez um relatório sobre as dificuldades de acesso dos pacientes potiguares a procedimentos cardiológicos e também neurocirúrgicos, que já são alvo de outra ação, e oncológicos.
“Todos esses procedimentos são realizados a partir de contratos que são geridos pelo município de Natal e cofinanciados pela Sesap. Em setembro, os contratos atingiram o limite e a gestão do município não autorizou a realização de procedimentos além do teto estipulado”, informou a nota.
A Sesap disse ainda que “garante o apoio técnico e financeiro para transferência dos pacientes, assim com o processo de regulação com a priorização das pessoas mais necessitadas e “aguarda que a situação se resolva da maneira mais rápida possível, confiando na celeridade e presteza da Justiça”.
A reportagem procurou também a assessoria da Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS), mas não teve respostas até a atualização mais recente desta reportagem.
Além da fila para cirurgias cardiológicas, há 34 crianças com patologias congênitas também no aguardo de procedimentos, de acordo com a Associação Amigos do Coração da Criança (Amico).
Um desses casos é a da bebê Diana Eloá, de oito meses, que foi diagnosticada nos primeiros dias de vida com sopro no coração e iniciou o tratamento.
Ao seis meses, o estado clínico piorou e passou a ser necessário um procedimento cirúrgico. Desde então, ela está na fila de pacientes, mas ainda não conseguiu marcar a data na rede pública.
Do total, são 21 crianças menores de 5 anos aguardando cirurgia cardíacas, incluindo dois recém-nascidos – um há três semanas e outro há cinco dias no aguardo.
Entre os pacientes adultos internados, 18 estão em UPAs atualmente esperando um procedimento cirúrgico.
De acordo com a coordenadora do Núcleo de Saúde da Defensoria Pública do RN, Cláudia Queiroz, em outubro mais pacientes buscaram o direito aos procedimentos cirúrgicos através de ações judiciais.
“A Defensoria Pública, desde o mês de setembro, vinha recebendo demandas individuais relativas a essas situações”, disse.
“Diariamente temos recebido demanda de pessoas idosas, que aguardam por cateterismo cardíaco e que estão nas UPAs. Já foram mais de 50 demandas individuais, o que por si só já demonstra a gravidade da situação”.
De acordo com a promotora Iara Pinheiro, o teto financeiro atual no estado não é suficiente para realizar todos os atendimentos necessários. “Não é aquele volume de recursos necessário para garantir atendimentos sem interrupção, sem suspensão como está acontecendo agora”, conta.
Ela lembra que o problema é recorrente. “Sempre quando se aproxima o fim do ano, existem essas dificuldades, mas esse ano tem sido um pouco mais urgente. E o teto financeiro contratual impede que toda a demanda seja atendida até o fim do ano”, disse.
“Desde o fim do ano apssado, os gestores mostraram à União que o Município de Natal, respondendo por um atendimento que é pra praticamente todo o estado do RN, está tendo um gasto bastante elevado em relação ao que ele recebe de repasses federais”, disse a defensora pública Cláudia Queiroz.
A urgência atestada para a realização das cirurgias culminou na Ação Civil Pública conjunta após uma análise inicial do cenário por partes das instituições.
“Nós não tivemos uma resposta que nós consideramos suficientes para regularizar a assistência para essas pessoas. Então, foi necessário o ajuizamento dessa ação de extrema urgência, tanto que tem um pedido de liminar, para que a gente consiga restaurar o atendimento o mais breve possível”, explicou a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Saúde, a promotora Rosane Moreno.
O defensor público da União André de Albuquerque explicou que o Ministério da Saúde sinalizou a liberação de cerca de R$ 10 milhões para seguimento desses procedimentos, mas que não era mais possível esperar diante das necessidades do pacientes e, por isso, foi necessário ajuizar a ação.
“A gente, por meio das trativas administrativas, ainda tinha esperança que a atuação extrajudicial poderia resolver a questão. Infelizmente não foi o caso. Mesmo com a preocupação dos entes municipal e estadual, e até mesmo com o Ministério da Saúde, nós vimos que não poderíamos aguardar mais”, disse.
“A situação é periclitante, desesperadora, os relatos nos sensibilizam muito. A gente não poderia ficar aguardando o tempo administrativo”, finalizou.
Apesar do pedido direcionado à União para o aumento de recursos, a promotora Rosane Moreno vê também a necessidade de Estado e Município atuarem de forma a garantir o retorno imediato e integral desses procedimentos.
“Continuamos aqui nesse apelo ao governo do RN e município para que, ao menos de forma urgente, independente dos demais pedidos dessa ação, que vai garantir o atendimento mais fortalecido nessa lei de cuidado, pra que a gente possa nos próximos dias restabelecer esse atendimento em sua integralidade”.
Outros pedidos que constam na Ação Civil Pública são:
- determinar aos prestadores contratualizados que restabeleçam a realização dos procedimentos cardiológicos, sobretudo nos casos de urgência e emergência, observando os critérios de classificação de risco e a prioridade legal de atendimento;
- que o Estado, através da SESAP, preste o apoio técnico e financeiro necessário para transferência devidamente dos pacientes, com observância dos critérios de classificação de risco e da prioridade dos idosos, crianças e adolescentes, que estejam internados em unidades da rede SUS;
- que a União, através do Ministério da Saúde custeie 50% dos atendimentos e procedimentos cardiológicos “extra teto contratual” realizados pelos prestadores;
- que a Ebserh/Huol adquira os materiais e insumos necessários para retomada dos procedimentos cardiológicos de natureza eletiva para os usuários do Sistema Único de Saúde.
Por g1 RN